Na mediação aparecem os reais interesses dos sócios, que não são levados em conta em um processo judicial.

Começamos com uma breve história, muito familiar para advogados que trabalham com contencioso-societário. A opção do advogado por qual porta bater ao levar uma questão pode ser a diferença.

Dois sócios de uma promissora empresa não chegam a um consenso quando recebem uma proposta para aquisição da sociedade. Um deles opina pela venda imediata das quotas a uma gigante do mercado e o outro crê que não é ainda o momento.

O primeiro entende que a empresa não se valorizará mais, acredita que se recusarem a oferta a concorrente acabará com o negócio de alguma forma e, por questões pessoais, necessita do dinheiro urgentemente. O outro acha que ainda podem crescer muito, entende que a oferta foi aquém do que realmente vale a sociedade e, ainda, tem receio de ter um grande vazio existencial já que há anos dedica-se exclusivamente ao trabalho.

Surge aí a tal quebra do affectio societatis. O começo do fim da empresa1. Discussões acabam ocorrendo e o clima de amizade e respeito não mais existe. Acusações recíprocas e desconfianças vão levando a um desgaste pessoal dos antigos companheiros e o sócio que optou pela venda resolve deixar a sociedade e busca auxilio jurídico de como melhor proceder.

O advogado, após a reunião com o sócio, já tem em sua mente a forma mais eficaz de juridicamente auxiliar seu cliente.

Pelos anos de experiência neste tipo de caso, o profissional já havia traçado mentalmente como seriam os próximos passos, quase uma rotina que o acompanha há tempos. Entraria em contato com o advogado da outra parte e tentaria uma negociação, na qual cada um tentaria obter o máximo para seu cliente. No caso de impossibilidade, o que ocorria em 90%2 dos casos, teria que propor a demanda, visando a apuração dos haveres que seu cliente faz jus 3.

A perspectiva lógica do cliente é receber aproximadamente o valor de metade da oferta que foi feita pela empresa. Se ofereceram tal quantia, no mínimo a empresa vale isso, pensava.

Inicia-se o processo judicial de dissolução parcial de sociedade e apuração e haveres. Um longo tempo se passa após a apresentação da inicial, contestação, réplica e realização de perícia.

Durante este período o sócio que optou pela continuidade começa a enfrentar alguns problemas. Sem o outro sócio que ajudava na administração se vê sobrecarregado. Não consegue atrair um outro investidor, já que com o apontamento da demanda ninguém ainda quer entrar no barco sem saber o tamanho do passivo futuro. Não consegue empréstimos também em razão do litígio. O faturamento começa a cair.

Com a juntada aos autos do laudo pericial que cuidou da avaliação da empresa surgem mais dissabores. O sócio autor da ação não acreditou quando viu a estimativa apresentada, baseada no valor contábil da sociedade 4. No seu entender a avaliação ignorou métodos mais modernos como o fluxo de caixa descontado, dos múltiplos e/ou de EVA/MVA5. O outro sócio também discorda do valor, já que não foi levado em conta o atual estágio da empresa que viu seu faturamento despencar. Os advogados também se irritam com a demora na solução e a aflição e o descontentamento dos clientes.

Voltemos no tempo. E se o advogado, após a tentativa de negociação frustrada, pudesse ter escolhas.

Por que “levar o caso” ao Poder Judiciário? “Ora”, responderia o advogado, “se não há um acordo, faz-se o que? É o Estado que tem que decidir”.

E se existisse um outro local mais adequado para acolher e tratar desta demanda especificamente?

Utilizando-se do conceito de Tribunal Multiportas6, o advogado percebe que quando um cliente bate à sua porta, não só uma “estratégia processual” deve ser traçada. Antes, deve o profissional analisar o melhor método (para seu cliente) de tratar a questão trazida.

Em nosso exemplo, o advogado resolve utilizar a mediação. Por esse método os sócios e os advogados, conjuntamente com mediadores, dialogam sobre a questão e buscam a melhor forma para todos de como resolvê-la.

O processo de mediação corre em total confidencialidade e percorre as fases já anteriormente estipuladas por todos7, gerando segurança e confiabilidade para enfrentamento da questão.

Aparecem os reais interesses dos sócios, que não são levados em conta em um processo judicial, como o porquê de um querer vender e outro não, e os sócios acabam até por compreender e respeitar a decisão do outro. Na arbitragem ou no Judiciário apenas o valor da empresa seria a questão a ser debatida, pouco importando a motivação que fez as partes chegar lá.

Chegada a fase de geração de opções, diversas são colocadas na mesa. Algumas agradam, outras nem tanto. Durante o processo surge o fato de que existe uma pessoa que pretende ser o novo sócio. E essa pessoa aceita pagar um valor próximo do pretendido pelo sócio que está saindo da empresa de forma rápida.

Com o litígio judicializado, onde argumentos e contra-argumentos são apresentados com intuito de convencer um terceiro, provavelmente a opção acima para resolver o litígio nunca surgiria, seja porque com a existência de uma demanda jurídica, como dito acima, um investidor não apareceria, seja porque durante o litígio qualquer proposta vinda de uma das partes é vista com desconfiança pela outra em virtude do sentimento negativo existente.

O processo vai trazendo desgaste a todos, despesas financeiras, sentimentos, e provavelmente não haveria campo para essa solução na qual todos saíram ganhando e ninguém teve que ceder nada8.

O que se trouxe neste artigo não é a defesa simplista e inocente de que a mediação é o melhor caminho para tudo. Mas, por meio do exemplo (que embora fictício sabe-se que ocorre diariamente) deseja-se apenas realçar que muitas vezes existem opções para o advogado, que pode enxergar o instituto da mediação não como uma pré-fase do processo ou uma forma “alternativa”, mas como um caminho adequado de juridicamente tratar uma questão que lhe é trazida pelo cliente, assim como o judiciário o é.

É mais uma estratégia. Ao receber o cliente o profissional pode apresentar-lhe um leque de opções. Um caso pode melhor ser resolvido no judiciário e outro não. O advogado sempre deve buscar o melhor para seu cliente e a ele ajudar a traçar o caminho. O que traz o melhor ganho, menos riscos e maior satisfação.

1. STJ – EmbDiv em REsp 111.294-PR, 2ª Seção, Rel. Min. Castro Filho, julgado em 28/6/2006 – “Ruptura da affectio societatis representa verdadeiro impedimento a que a companhia continue a realizar o seu fim, com a obtenção de lucros e distribuição de dividendos, já que dificilmente pode prosperar uma sociedade em que a confiança, a harmonia, a fidelidade e o respeito mútuo entre os seus sócios tenham sido rompidos”.

2. Utilizando a base de dados dos tribunais, o CNJ revelou índice médio de conciliação em 11% das sentenças.

3. Artigo 599 do CPC

4. Artigos 1.031 do CC e 606 do CPC

5. “É inegável que a empresa possui um valor de mercado deveras superior ao que consegue obter numa simples análise contábil como se dissolução total fosse. (…). Justamente por tais motivos é que afirmamos que o critério de avaliação dos haveres deve ser melhor estudado, a fim de não trazer distorções, injustiças e verdadeiro enriquecimento sem causa, para um ou para outro sócio. No nosso entender, é necessário que o aplicador da lei, seja ele juiz, advogado, árbitro ou perito, volte os olhos para outros critérios de avaliação que representem o valor real e justo da sociedade, que muitas vezes pode ser apurado pelo critério de avaliação de empresa com base no fluxo de caixa descontado trazido a valor presente.” (Marcus Elidius Michelli de Almeida. Direito Processual Empresarial. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda., 2012, p. 551/552.)

6. “Em 1976, na Paud Conferencia, em St.Paul, Minessota, o professor emérito da faculdade de Havard, Frank Sander, em sua palestra “Variedades de processamento de conflitos”, introduziu, no mundo jurídico uma ideia que foi chamada originalmente de “”entro abrangente de justiça”, porém, devido a forma como foi divulgada por uma das revistas da ABA [American Bar Association – Ordem dos Advogados dos Estados Unidos], ficaria conhecida mundialmente como “Tribunal Multiportas”. O Tribunal Multiportas é uma instituição inovadora que direciona os processos que chegam a um tribunal para os mais adequados métodos de resolução de conflitos, economizando tempo e dinheiro tanto para os tribunais quanto para os participantes ou litigantes”. (Mender, Gardêni M.L. Tribunal Multiportas. Revista Jus Navegandi. 02/2015).

7. Lei 13.140/15

8. Como chegar ao SIM – a negociação de acordos sem concessões, de Roger Ficher, Willian Ury e Bruce Patton, da Editora IMAGO.

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